Teoria do movimento

Se a física é a teoria da substância em movimento, éevidente que a explicação do “movimento” constitui a sua parte principal.

Já sabemos como o nlovimento tornou-se problema filosófico, depois de ter sido negado pelos eleáticos como aparência ilusória. E também sabemos que os pluralistas já o haviam recuperado e justificado em parte. Entretanto, ninguém, nem mesmo Platão, soube estabelecer quais eram a sua essência e o seu estatuto ontológico.

Os eleáticos haviam negado o devir e o movimento porque, com base em suas teses de fundo, eles pressuporiam a existência de um não-ser, no sentido que examinamos. Pois Aristóteles consegue solucionar a aporia de modo brilhante.

Sabemos (pela metafísica) que o ser tem muitos significados e que um grupo desses significados é dado pela dupla “ser como potência” e “ser como ato”. Em relação ao ser-em-ato, o ser-em- potência pode ser considerado não-ser, mais precisamente, não- ser-em-ato. Está claro que se trata de um não-ser relativo, já que a potência é real, porque é capacidade real e possibilidade efetiva de chegar ao ato. Ora, o movimento ou a mutação em geral é precisamente a passagem do ser em potência para o ser em ato (o movimento é “o ato ou a transformação em ato daquilo que é potência enquanto tal”, diz Aristóteles). Assim, o movimento não pressupõe em absoluto o não-ser como nada, mas sim o não-ser como potência, que é uma forma de ser e, assim, se desenvolve no âmbito do ser, sendo passagem de ser (potencial) para ser (atuado).

Mas Aristóteles também aprofundou ainda mais a questão do movimento, conseguindo estabelecer quais são todas as possíveis formas de movimento e qual é a sua estrutura ontológica.

Mais iima vez, vamos remontar à distinção originária dos diversos significados do ser: como vimos, potência e ato dizem respeito às várias categorias e não só à primeira. Conseqüente­mente, também o movimento, que é passagem da potência ao ato, diz respeito às várias categorias. Sendo assim, é possível deduzir da tábua das categorias as várias formas de mutação. Em especial, deve-se considerar as categorias 1) da substância, 2) da qualidade, 3) da quantidade, 4) do lugar:

1) a mutação segundo a substância é “a geração e a corrup­ção”;

2) a mutação segundo a qualidade é “a alteração”;

3) a mutação segundo a quantidade é “o aumento e a dimi­nuição”;

4) a mutação segundo o lugar é “a translação”.

“Mutação” é um termo genérico, que cabe bem para todas essas quatro formas; já “movimento” é um termo que designa genericamente as últimas três, especificamente a última.

Em todas as suas formas, o devir pressupõe um substrato (que é, aliás, o ser potencial), que passa de um oposto a outro: na primeira forma, de um contraditório a outro e, nas outras três formas, de um contrário a outro. A geração é o assumir a forma por parte da matéria, a corrupção é o perder a forma; a alteração é uma mudança da qualidade; o aumento e a diminuição são uma pas­sagem de pequeno a grande e vice-versa; o movimento local é passagem de um ponto para outro. Somente os compostos (os “synolos”) de matéria e forma podem sofrer mutação porque só a matéria implica potencialidade: a estrutura hilemórfica (feita de matéria e forma) da realidade sensível, que necessariamente implica em matéria e, portanto, em potencialidade, constitui assim a raiz de todo movimento.